sexta-feira, 9 de maio de 2008

Visitando o passado - Parte 2

...Um dia a caixa não aguentou e chegou ao fim de sua existência como caixa, já havia remendos demais, não havia mais onde assentar os pregos para mantê-la, foi para o cemitério das caixas, mesmo depois de partir ainda encontrou um serviço digno, de evitar que os animais silvestres adentrassem o meu quintal.

Enfim, piso com os meus sapatos italianos na terra que, nos anos idos foram meu domínio, meu território, meu reino. A terra vermelha perdeu muito do seu encanto com todo o mato que cresceu durante o tempo de abandono da casa. Mas é só mato. Incrível como eu pensava que sempre encontraria lixo humano onde quer que eu fosse, uma garrafa pet, um papel de bala, ou um resto de uma panfletagem mal-sucedida, mas não, é só mato e terra. Um cobertor verde sobre as memórias da minha infância há muito esquecida como aquele pano empoeirado sobre o velho carro encontrado na garagem do tio-avô que, se retirado revela a descoberta de um clássico modelo de Cadillac muito bem conservado.

Perdido em meus pensamentos eu quase caio ao tropeçar em um pequeno buraco. A memória me atropela como um vagalhão de emoções, lembro-me deste buraco que escavei com as minhas pequenas mãos, era onde eu ia brincar com as minhas bolas de gude, ia brincar com... Meu Deus... eu fiz esse buraco para brincar com meu irmão! Eu tinha um irmão! Como pude esquecer de uma coisa dessas? Faz tanto tempo. Ninguém nunca mais ouviu falar dele. Ele era um ano mais novo que eu quando faleceu de alguma doença que não consigo me lembrar, ele tossia muito, sentia dores, depois começou a tossir sangue, lágrimas, minha mãe chorando, meu pai tentando ser forte, tentando ser o alicerce da família...

Meus joelhos cedem, como se não houvesse mais força nas minhas pernas, eu caio mas ignoro a dor, duas pequenas poças começam a se formar na terra logo abaixo do meu rosto, como eu pude ter esquecido que eu tive um irmão? Porque deixaram a memória dele morrer? Quando uma pessoa morre, ela morre em físico, mas temos o direito de assassinar essa pessoa em memória se a sua presença nos machuca? Ela não tem esse direito ao menos? De continuar existindo em nossas lembranças, podendo habitar nossos sonhos? Quantas vezes eu me senti como se não tivesse com quem conversar? Quantas vezes queria dividir um momento e me sentia vazio?
- Ahhhhh... como nós pudemos esquecer de você?!! - Eu caio em prantos e sinto o gosto da terra a salpicar em meus lábios quando me encolho junto ao chão.

- Quer parar com o show, homem da cidade grande?
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Posso sentir o tempo parar, e o vento que assoviava se calar. Ouço o som de metal arranhando, como se precisasse de lubrificação, ouço o som de pedras na terra ao se encontrarem com rodas. Eu tenho medo de olhar, mas não resisto. Aquele homem debilitado, com a barba por fazer, preso à sua cadeira de rodas, é Pedro. É meu irmão.

Continua...

Um comentário:

Anônimo disse...

Cara, nunca imaginei que você escrevesse tão bem, (comentário politicamente incorreto) seu trabalho como profissional de arte é indiscutível é bom pra cace... Gostei demais do texto