terça-feira, 6 de maio de 2008

Visitando o passado

Estive com os olhos vendados por todo o trajeto. Meu pai insistiu em me fazer uma surpresa no meu aniversário. Não tenho toda a experiência dele, mas sou vivido o suficiente para me surpreender com alguma coisa. Enfim estacionamos o carro, ele me ajuda com a trava do cinto de segurança e sem seguida abre a porta, o calor entrando naquele ambiente perfeito proporcionado pelo ar-condicionado como uma legião de bárbaros ensandecidos invadindo uma grande metrópole pacífica, ouço seus passos, som de terra e pedras pequenas se chocando com seus sapatos, o som aos poucos ficando mais baixo, quase inaudível e então posso ouvir a minha porta se destravando, meu pai segura a minha mão com uma firmeza que eu julgava que não lhe habitava mais no corpo frágil e cansado. Ele retira então o pano que cobria os meus olhos.

- Devagar - dise ele com uma calma que poria fim à uma guerra. - Você pode começar a abrir os seus olhos agora com muito cuidado, pois aqui está muito iluminado e quero muito que a sua visão esteja em boas condições, pois você vai precisar, e querer muito enxergar direito neste lugar. - Ele me dá aquele leve tapinha de "bom garoto" no ombro, o sol está realmente muito forte, já é quase meio-dia, mas mesmo que não fosse geralmente aqui é sempre assim, as cores são mais vivas, mesmo à noite as estrelas brilham como bilhões de holofotes de estádio, como eu sei disso eu não consigo explicar. - Venha - continuou meu pai a dizer com sua quietude habitual - ...eu quero te mostrar porque te trouxe aqui. Vê esta casinha? Foi onde você nasceu e onde viveu seus primeiros anos. As paredes parecem feias e velhas, mas por isso mesmo que você sempre pôde desenhar nelas, nunca nos preocupamos com isso, as paredes continuariam a nos proteger do frio da noite e do calor do dia, manteria o pó do lado de fora nas ventanias, o que importou sempre foi a sua felicidade e em como sempre a expressou com uma beleza única. - Seus olhos estavam inundados em lágrimas, os meus em breve também estariam se continuasse a olhar para eles.

Eu me lembro vagamente desta casa, já morei em muitas, mas esta me traz à mente algo especial, como momentos congelados no tempo, quando o relógio era apenas uma lenda, quando o suor e a pele suja não eram motivo de vergonha, quando o simples ato de cavar um buraco e fazer um monte de terra era a coisa mais divertida do universo e nada superaria aquele momento, meu Deus, porquê eu não me lembrava desses momentos?
Este lugar é maravilhoso, sinto o cheiro das árvores e da terra, sinto o sol irradiar um calor que parece renovar as minhas forças e quando passo pela sombra das árvores sinto um sopro gelado interminente que faz evaporar algumas gotas de suor. Enfim chego aos muros da casa, feitos de várias tábuas de diferentes árvores, partes de diferentes caixas, diferentes histórias. Reconheço uma das tábuas como parte de uma caixa de tomates, por um tempo foi um dos meus brinquedos, já foi o mais veloz carro de corrida, meu escudo nas batalhas que travei para salvar a minha princesa que estava presa em uma torre, foi o molde para os tijolos de barro com os quais eu pretendia construir uma grande muralha, que ruiu na chuva de verão daquela tarde. Um dia a caixa não aguentou e chegou ao fim de sua existência como caixa, já havia remendos demais, não havia mais onde assentar os pregos para mantê-la, foi para o cemitério das caixas, mesmo depois de partir ainda encontrou um serviço digno, de evitar que os animais silvestres adentrassem o meu quintal.

Continua...

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